sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O Efeito do S.O.P.A


S.O.P.A.

Até agora, essa palavra não tinha significado importante nenhum para mim. O que eu pensava quando lia essa sigla era que, juntas, as letras formavam o nome de um prato ralo, como água quente com sabor. Odeio tomar sopa. Odeio. Gosto de mastigar a comida, senti-la por entre os dentes, prestar atenção no sabor que elas emitem para minha língua, e sopa não consegue fazer isso de jeito nenhum. É quase um alimento líquido, então entra pela boca e vai para a garganta sem deixar memória nenhuma sua por onde passou.

Fora que não sustenta. Prefiro alimentos mais sólidos para que eu possa comê-los em grande quantidade e saciar a minha fome. Estou em fase de crescimento, preciso disso!

Entretanto, não é essa sopa que está me preocupando. Tá, talvez preocupar não seja a palavra certa, pois o que está acontecendo comigo é quase um estado de puro pavor. Estou a ponto de enfiar todos os meus dedos na boca e devorá-los, já que não tenho mais unhas.

S.O.P.A vem do inglês e significa Stop Online Piracy Act. Em bom e velho português, seria um ato para acabar com a pirataria online. O seu objetivo é um só: acabar com a minha vida!

Eu estava no twitter atualizando meu status mais uma vez, afinal, preciso dizer aos meus noventa seguidores o que estou fazendo. Eles querem saber e eu direi, senão não estariam me seguindo. Contudo, enquanto vasculhava a minha timeline, prestei a tenção numa notícia que me deixou perturbado. Era uma nota que falava sobre esse projeto de lei do S.O.P.A. O presidente dos Estados Unidos estava estudando a possibilidade de aprová-la. Enquanto isso, sites dos mais famosos protestavam como podiam, interrompendo seus acessos para evitarem ser prejudicados pela lei.

Tive que ler bastante para entender no que a lei me afetaria. Quando descobri, sussurrei:

- Ah, meu deus, S.O.P.A!

Eu não estava simplesmente com a vida acabada, eu estava para lá de ferrado, para não dizer nada pior! Como eu faria os meus downloads sem as drogas dos meus sites de downloads? E, na pior das hipóteses, como o meu blog continuaria a ser um sucesso se fosse proibido publicar conteúdo que não fosse feito por mim? Esse S.O.P.A quer é estragar com a minha vida!

Quando eu achava que já estava perdido o suficiente, veio a bomba: todas as redes sociais param de funcionar ao mesmo tempo. Atualizo os meus navegadores, verifico o roteador, ligo para o provedor, e nada! As redes não voltam! Fico ainda mais desesperado do que já estava no início e não é mais os dedos das mãos que quero devorar, mas os dos pés também. Eles não podem fazer isso comigo. Não podem!

Faço pesquisas atrás de notícias sobre o que está acontecendo e confirmo: houve um blackout das redes sociais. Fico paranoico e, de primeira, afirmo com toda a certeza: o governo americano está por trás disso. Associo diversos fatos até concluir que uma Terceira Guerra Mundial já deve estar a caminho.

Minha vida está arruinada! O que vou fazer sem a porra da internet! O meu dinheiro vem dela, os meus amigos estão lá, minhas fontes de informação, a minha cultura! Que droga, o que vou fazer?! Vou ter que unir multidões e protestar pelos meus direitos de liberdade de expressão? Vou ter que correr atrás dos principais líderes do mundo com armas de fogo em mãos para ameaçar assassiná-los caso não devolvam o que é meu? Os egípcios fizeram algo parecido, tenho certeza de que eu seria capaz de obter sucesso! Até porque não posso deixar a última palavra com quem não sabe de bosta nenhuma!

Estou pronto para me levantar e partir para a minha saga quando minha mãe surge na sala e diz com um sorriso que não condiz em nada com a situação no mundo:

- Filho, S.O.P.A!

- S-S.O.P.A?

Ela só pode estar de brincadeira! Que pessoa em sã consciência pode proferir o nome de uma lei tão medíocre com um sorriso tão jovial? Isso ó pode significar uma coisa: minha mãe apoia o S.O.P.A. Era só o que faltava, ela está maluca!

- Sim! Você não gosta? - minha mãe volta a dizer.

- EU ODEIO O S.O.P.A!

Não posso mais ficar aqui. Tenho que batalhar pelos meus direitos. Minhas redes sociais não podem ficar fora do ar por razões de terceiros! Preciso protestar enquanto ainda há tempo!

Chego ao meu quarto e me deparo com a minha bagunça. A princípio, eu gostaria de poder ajuntar todas as minhas coisas numa mochila e partir para essa batalha, mas então me desanimo. Não sei onde está nada e não seria capaz de fazer nada sem a minha mãe. Por conta disso, começo a chorar escandalosamente, agarrado a um travesseiro que encontrei a esmo em meio a tanta roupa suja.

Enquanto minha mãe apoiar essa droga de S.O.P.A, o dia continuará sendo tão horrível e amedrontante quanto está sendo agora. A guerra continuará. Em alguns minutos, a minha casa vai explodir com uma bomba, eu sei. E o que vou fazer a respeito? Nada. Estou sem acesso ao twitter para criar uma hashtag para protestar!

O Efeito da Sopa


Sopa.

Essa palavra muito intrigou Tereza, mãe de um jovem de dezessete anos, há algumas horas atrás. Nunca que o filho pedira sopa para o jantar em toda a sua vida. Aliás, nunca pediria, porque, assim como ela própria, o filho era obeso e isso porque, bem, eles preferiam alimentos mais gostosos do que nutritivos, portanto, os mais gordos. De qualquer forma, ela ouvira o filho mencionar uma sopa, e não havia dúvidas de que esse havia sido o seu pedido.

O filho estava na sala de estar quando disse o que disse. A mãe passara por ele com as compras que acabara de fazer, sorrindo para o garoto que nem mesmo desviou os olhos da tela do notebook que tinha no colo, e dirigiu-se em direção à cozinha. Foi então que ela o ouviu falar:

- Ah, meu deus, sopa!

A frase, a princípio, havia sido essa, mas o que Tereza ouviu foi:

- Ah, que vontade de comer sopa!

Claro, mãe protetora que era, preferia ver o filho andar com aquela imensa barriga que adquira na maioria dos seus anos de vida do que vê-lo com fome. Era capaz de fazer qualquer coisa que ele pedisse apenas para evitar que a frase "Estou faminto!" rompesse por aquela boca enorme e gorda. Por isso, se era desejo do filho, ela faria a sopa.

Sorridente, foi à cozinha e colheu os poucos legumes que achou. Eles não eram muito de comprar alimentos que não andassem ou respirassem. A geladeira tinha para mais de dez tipos de carne, em quantidade suficiente para alimentar uma pessoa solteira em três meses, mas aquela família de três pessoas as consumiam em uma semana, no máximo duas. Em meio à tanta carne, Tereza encontrou algumas cenouras machucadas e feias. Já era alguma coisa. No armário, achou batatas que quase criavam raízes e alguns chuchus. Três legumes, um verdadeiro record para uma mesma refeição dentro daquela casa. Achou que seria legal usar fubá, e já sabia onde encontrá-lo, já que aquele era um condimento que nunca faltava em suas receitas mais gordurosas. Para um começo, até que a receita da sopa prometia ser um sucesso, mas Tereza achava que faltava algo para dar gosto ao alimento.

Carne. Por que não?

Três tipos de carne foram escolhidos, as mais macias para serem facilmente cortadas em cubos e cozidas na água fervente. Mas carne cozida não agradava o paladar de Tereza, muito menos do seu filho ou do seu marido. Teria que improvisar. Em óleo quente com cebola e alho, ela fritou um pouco da carne e só então cozinhou-a com o restante dos ingredientes da sopa. O aroma exalado da panela era sedutor, mas Tereza ainda assim achava que faltava algo. Mas o quê?

Macarrão!

Cinco tipos de macarrão foram jogados na mistura quente e mexidos. A sopa era preparada numa incrível panela, que precisava de praticamente dois fogos acessos no fogão para manter-se quente. A senhora robusta mexia o alimento com força com o auxílio de uma colher de madeira, porque havia muito o que ser misturado ali. Se seu filho queria uma sopa, ele teria a sopa. E seria a mais deliciosa (e gordurosa) de todas!

O prato ficou pronto muitos minutos depois e Tereza já estava mais do que com água na boca. Então, decidiu servi-lo - mas primeiro a seu filho, que era mais importante, por ora. Afinal, não era ele quem queria tanto aquela sopa? Sem demorar mais, ela colocou uma generosa quantidade do alimento num prato que tinha quase um palmo de profundidade - portanto, uma tigela. Aquilo era pouco para o filho, mas depois ele poderia se servir de mais. Quem sabe aquela sopa não acabasse naquele mesmo dia?

Andando pomposamente, Tereza voltou à sala de estar com a tigela numa mão e um prato menor com três pães na outra. O refrigerante ela traria depois, afinal, tinha apenas duas mãos. Lá, encontrou o filho bastante pálido diante da tela do seu computador, os olhos bastante arregalados. Estava boquiaberto, também.

Ah, esses jogos de hoje, sempre tão envolventes!, Tereza pensou.

- Filho, sopa! - ela anunciou com o seu melhor e mais cortês sorriso.

- S-SOPA?! - ele repetiu estridente.

- Sim! Você não gosta?

- EU ODEIO O SOPA! - o garoto gritou de volta.

Lançando o notebook no chão com força, quebrando-o em centenas de pedaços, o garoto saiu correndo e, Tereza imaginou, correu para o quarto, onde trancou a porta com um baque. Seu choro era alto e podia ser ouvido da sala, como se ali estivesse acontecendo.

Tereza não entendeu o que estava acontecendo e jamais entenderia. Nunca mexera na internet.

Um pássaro cantou numa árvore do lado de fora e Tereza virou-se para a janela. O dia nunca estivera tão tranquilo e lindo. Nada de errado poderia acontecer enquanto aquele belo sol de verão estivesse a brilhar e pássaros como aqueles continuassem a cantar.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Dia do Sexo com Beijo!


Os dois deviam ter de 16 para 17 anos, mas já sabiam como funcionava um namoro e o que era preciso fazer para que seu companheiro ou companheira estivesse sempre satisfeito. Quer dizer, pelo menos é o que eles achavam. Um adulto certamente diria que o que os dois sustentavam um pelo outro era apenas uma forte paixão, ocasionada pelos hermônios que ferviam dentro do sangue deles, que os faziam ter tanta vontade de tocar um ao outro. Talvez fosse isso mesmo, ou talvez não.

Mas, sim, os hormônios dos dois estavam à flor da pele. Para eles, aquele namoro significava uma satisfação mútua, era como completar o quebra-cabeça de vontades deles, era se sentir completo. Entretanto, além disso, significava também a realização de fantasias sexuais.

Calma, calma, calma. Não estou falando de nenhuma fantasia sexual elaborada demais, afinal, precisamos lembrar que os dois têm apenas 16 para 17 anos. Nessa idade, onde a cabeça humana é tão madura quanto uma manga verde, fantasia sexual pode ser qualquer coisa que os faça sentir-se em perigo ou exposto. No caso desse casal, eles estavam expostos.

Eles se beijavam no banco de um corredor de um movimentado - bem movimentado - shopping.

Sim, eles se beijavam. Para quem visse de fora e não desse muita atenção, aquilo era apenas um beijo, entretanto, a moça sentada ao lado deles, aquela com o sorvete na mão, sentia o constragimento que se sente ao estar, por exemplo, assistindo a uma cena de sexo com um filho ao lado. Aquela cena não era uma cena de sexo em seu sentido literal, e também o seu filho não estava por ali, mas essa comparação foi uma metáfora que coube perfeitamente ao beijo tão caliente e ao grande número de voyeures ao redor.

Eles podiam não estar fazendo sexo, mas é claro que aquele beijo era uma relação sexual.

Os dois eram adolescentes de classe média alta, estudavam de tarde numa escola técnica, não precisavam e não podiam trabalhar, portanto, simbolizavam o que seria o jovem da era moderna, aquele ser descolado que só consegue ser descolado à custa dos pais. Tanto é que eles mal tinham dinheiro para se sustentar quando pensavam em sair juntos. Não tinham dinheiro para nada, nem para o mesmo sorvete que a mulher ao lado deles tomava. Nem mesmo para pagar o motel em que os dois poderiam estar naquele exato instante.

O casalzinho não tinha lugar onde fazer sexo. No quarto do rapaz, na casa dos pais deles? Não. O irmão pequeno dele jamais permitiria que os dois ficassem sozinhos durante um segundo sequer, assim como sua mãe, que iria sempre perguntar o que poderia fazer para que os dois se sentissem confortáveis. Mas e no quarto da moça, na casa dos pais dela? Jamais! Já pensou o que o pai dela não faria ao rapaz se os deparassem no meio de um rala-e-rola em sua própria casa? Não só ele como a menina também estariam ferrados!

Era exatamente por isso que os dois se beijavam de maneira tão quente em plena rota de caminhada de tanta gente que passeava pelo shopping. Querendo ou não, ser observado por tantos olhares era prazeroso para os dois. Acreditem.

Enquanto o rapaz colocava a língua na boca da outra, ele imaginava que outra coisa estava entrando em outro buraço da moça. Enquanto uma mão sua apertava com paixão o braço dela, ele imaginava seus dedos apertando com a mesma força os seios da menina. A outra mão estava no quadril dela, mas, céus, como ele desejava que escorregasse mais pra baixo e que ele pudesse tocar o que havia por baixo do seu jeans!

E ela então. Enquanto ele a beijava, ele dançava com os quadris, indo para frente e para trás na cadeira, como se não o estivesse beijando, e sim fazendo outra coisa. Sua mão estava na nuca do rapaz, mas porque ansiava pelo momento em que forçaria a cabeça dele para os seus seios e mostraria o quão atraente poderia ser. Enquanto ele dançava no mesmo ritmo que ela, ela fantasiava sobre como seria se os dois estivessem nus, fazendo o mesmo movimento, só que em outro lugar e em outra ocasião.

E, meu deus, como era bom ser observado por toda aquela gente!

É por isso que tanta gente faz cara feia quando vê um casal se beijando. Beijo em público significa sexo, e nem todas as pessoas que estão ao redor se sentem confortáveis assistindo isso. Ser discreto é importante e bonito.

Tire como exemplo a moça que tomava o seu sorvete ao lado desse casal.

sábado, 30 de julho de 2011

Molde-me Para Me Amar? Ahn?


O rapaz tinha certeza de que a amava. Quer dizer, pelo menos era o que seu cérebro lhe dizia. Ele a olhava e pensava "É... Essa pode ser a menina da minha vida, com certeza. Com toda a certeza".

Antes, é claro, ela precisava fazer algumas mudanças.

- Que tal se - ele começou a dizer certeza vez -, você mudasse o seu cabelo? É verdade. Seu cabelo é bom, mas ficaria lindo se fosse loiro. E se fosse cortado com um corte mais moderno. Você é linda, sem sombra de dúvida, mas não acha que seríamos um casal lindo se seu cabelo fosse loiro? Que nem o da Britney Spears, vai? Ela é bonita pra caramba.

A menina, que o amava como nunca, com ternura, com felicidade, aceitou o conselho. E fez a mudança. Pintou os cabelos de louro. Seus amigos notaram a diferença e, é claro, perguntaram porque a mudança drástica. Ela disse que era porque queria ser mais moderna, a sociedade pedia isso, e talvez fizesse bem até pra sua auto-estima. Uma mentira, é claro, afinal, o motivo disso era o menino com quem estava andando, pois em nenhum momento a sociedade havia pedido isso. De qualquer forma, seus amigos nem mesmo questionaram.

Dias depois, o menino notou que a menina que escolhera pra vida era um tanto quieta. Quando saíam juntos, era como se ela não se enturmasse com ninguém em sua turma de amigos, não abria a boca para questionar ou comentar qualquer coisa, o que acabava sendo um verdadeiro vexame para ele. Como forma de querer mudar isso, mas sem ser agressivo, ele a abordou certa vez e disse:

- Queria que você fosse mais amiga. - Ela achou estranho aquilo, mas quis ouvir até o fim. - Queria que conversasse mais com os outros, que falasse mais, fosse mais extrovertida. Opine sobre as coisas, mesmo que não te peçam isso. Vai ser melhor para nós dois. Seremos mais felizes.

Ela, que o amava incondicionalmente, acatou ao pedido e fez essa mudança, que foi bastante demorada. Sempre fora uma garota quieta, que só falava quando necessário, e nunca achou que isso fosse problema. Quer dizer, sua família, e isso incluía desde sua mãe, seu pai e irmã até outros primos e tios, nunca reclamou de nada. Nem mesmo os amigos, que gostavam dela dessa maneira que sempre agira.

Mas se seu parceiro dizia que isso precisava ser mudado, talvez de fato precisasse. E aplicou essa mudança.

Ela era uma garota muito fantasiosa. Quando estava quieta, viajava em diversos pensamentos. Portanto, abrir a boca quando costumava ficar quieta funcionou de maneira inesperada. Quando conversava, o que falava era ouvido com estranheza por todos ao redor. Quer dizer, ela não era de falar muitos palavrões, e falava tão direitinho que, sim, todos acharam estranho. E suas teorias sobre os assuntos eram tão complexas que quase ninguém entendia. Tudo bem que seus amigos não viam problema naquilo, mas os amigos do seu amado viam.

Inclusive ele viu.

- Por favor, seja mais natural! - ele falou e ela até achou um pouco arrogante da sua parte. - Meu deus, você parece uma enciclopédia ambulante falando! Parece um robô, algo assim! Afinal, você tem problemas de personalidade? Não consegue conversar como qualquer outra pessoa?

- Não estou entendendo - foi o que ela disse, e seu coração doeu.

- O que estou querendo dizer é: por que você não muda! Poxa vida, se fosse assim, assim, assado (ela não lembrava com precisão as coisas que ele pediu que ela mudasse), seríamos muito mais felizes! Seríamos o casal perfeito! Nossa relação seria melhor, inclusive as nossas relações sexuais! Teríamos felicidade, finalmente!

- O que está querendo dizer é que eu preciso mudar pra você me ame realmente?

- Isso!

- Então o seu amor por mim não é verdadeiro.

O rapaz arregalou os olhos diante daquilo.

- Você me conheceu de um jeito, disse que me amava - ela prosseguiu -, mas têm exigido tantas mudanças de mim que até parece que não sou perfeita pra você. Você quer me moldar. Você quer que eu seja outra pessoa! Se me amasse de verdade, meus defeitos e qualidades não te importariam, afinal, quem ama ama o que o outro é, não o que ele pode vir a ser.

Olhando-o com repugnância, ela finalizou.

- Não ou um boneco de massinha que você pode mudar quando bem entender. Se me quisesse de verdade, gostaria de mim pelo que sou. Porém, não é esse o caso.

A garota se virou, abriu e bateu a porta da casa do rapaz ao sair e sumiu. Horas depois, estava na companhia de amigos, que realmente gostavam dela da maneira como ela era. E com eles ela não tinha problemas, ah, não. Afinal, aqueles amigos a amavam de verdade. Aquilo era o amor.

E então ela nunca mais voltou a ver o rapaz, pois o que queria, um amor verdadeiro, não era encontrado nele.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Mentirosa Entrevista de Emprego!


- Qual é o seu nome? - perguntou o homem à minha frente, cujo nome eu não lembrava.

Entrevista de emprego. Lá estava eu, sentado de frente para um homem de aspecto autoritátio, aquele tipo de gente que dá medo de encarar, de causar má impressão, de falar a coisa errada e ser julgado errado. O que eu tinha que fazer era conquistá-lo para que a vaga fosse minha. Era necessário que eu calculasse bem as minhas palavras para que elas agradassem os ouvidos daquele que poderia vir a ser o meu novo chefe.

Me deseje sorte!

- Marcelo Rocha - respondi e sorri. Meus lábios tremularam com dois segundos de sorriso.

- Certo, Marcelo... Vamos começar a entrevista, então. Diga-me algumas das suas qualidades.

Ah, e lá vem a clássica pergunta!

Tenho muitas qualidades! Sei praticar esportes como ninguém - aliás, sou um ás do futebol. Meus amigos sempre querem que eu jogue em seus times em nossas peladas semanais, e eu sempre me saio bem - me garanto com a bola no pé. Poderia dizer que a minha pontaria é excelente, já que muito dificilmente erro algum gol. Se chuto na rede, já era, ponto para o meu time! Também sou um excelente líder, sei como tomar conta do nosso time de futebol - sou um excelente técnico, por assim dizer. Entretanto, no que isso somaria no que diz respeito às qualidades que a empresa procura?

Vou ter que mentir.

- Sou responsável - foi o que saiu da minha boca, porém, cá entre nós, está longe de mim ser uma pessoa responsável. Minhas contas atrasadas e perdas de compromissos diriam isso por mim. - E sou organizado, também - outra mentira. Se meu quarto pudesse ouvir o que estou dizendo, certamente estaria dando uma gostosa e sarcástica risada. As roupas espalhadas em cima da cômoda se sentiriam afrontadas diante de tal afirmação.

- Muito bem, muito bem. E poderia me citar alguns defeitos?

Defeitos? Ah, por favor!

Quem contrataria alguém com defeitos? Vamos combinar, defeitos eu tenho vários! Além da irresponsabilidade e falta de organização, sou preguiçoso. Sim. Acordar cedo é um processo lento e doloroso pra mim, até parece que eu e a cama temos um campo magnético só nosso, onde ela me atrai e eu a atraio, não conseguimos nos desgrudar enquanto a voz estridente da minha mãe não gritar o meu nome. Sou tão preguiçoso que não tomo banho de domingo, já que não faço nada de mais nesse dia. Sou tão preguiçoso que não faço o meu próprio alimento. Sou tão preguiçoso que faço trabalhos de escola de qualquer jeito só para garantir um C e me livrar logo disso. Mas será que isso atrapalharia o fato de eu poder ser escolhido naquele processo seletivo?

Mas é claro que sim! Quem contrataria alguém preguiçoso? Vou ter que mentir.

- Sou perfeccionista - foram as palavras que desenrolaram a partir da minha boca. Ah, a mentira! Onde eu seria perfeccionista, quando não dou a mínima para as coisas, desde que elas sejam práticas? De qualquer forma, quem se importa? Agora ele vai pensar que me importo tanto em fazer um trabalho bem feito que isso acaba sendo um defeito na minha vida. Ponto positivo para mim.

- Certo... - ele falou e seu olhar baixou para o meu currículo. - Fale-me um pouco sobre suas outras experiências profissionais.

Ah, as experiências profissionais...

Menti a maioria delas. Estou para trabalhar numa empresa que presta serviços de contabilidade para outras empresas e vou falar que trabalhei como carregador de galões de água, depois como atendente numa lanchonete do Habib's e até que fiz bico de natal para uma loja de roupas de surf? Jamais! Coloquei que já trabalhei com contabilidade antes, numa empresa não muito longe de casa, onde um amigo meu trabalha. Ele prometeu que me acobertaria caso acontecesse de o entrevistador entrar em contato com ele para verificar a veracidade das informações. Não tem como dar errado.

- Foi uma experiência muito boa - comecei falando. - Eu trabalhava fazendo contas - não existe problema nenhum em falar isso, afinal, todos nós sabemos fazer contas -, eu fazia cartas para os funcionários e para cartórios com o Word - qualquer um sabe mexer no Word, não tenho problema nenhum em afirmar isso -, eu verificava e preenchia planilhas do Excel - bang! Primeiro problema na minha fala: eu não sei mexer no Excel. Se tiver algum teste disso, certamente eu estarei ferrado - e fiz muito boas relações. - Que se dane se isso não for uma boa coisa!

- Está certo...

O entrevistador ficou olhando para o meu currículo durante um tempo que pareceu duas horas seguidas, sem dizer uma palavra sequer. Enquanto isso, eu só ouvia o incessante clic! que ele fazia ao apertar várias e várias vezes o botão da caneta que usava. Depois disso, ele olhou para mim e, sério, falou:

- Entraremos em contato com você.

- Ok. Muito obrigado - falei e me levantei para me retirar.

Não houve contato posterior. Esperei por duas semanas seguidas a resposta, mas não obtive nenhuma. Poxa vida, eu dei as melhores informações possíveis, criei um personagem de funcionário perfeito, que qualquer empresa contrataria, por que não fui chamado?

Será que foi porque menti?

~~~~~~~~~

Moral da história:
Mentir para agradar alguém jamais vai dar certo, pois quem mente não consegue ser natural. Dizer a verdade só lhe traz segurança. Assumir quem você realmente é é uma excelente maneira de cativar quem quer que você queira cativar.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Os Nós do Fone de Ouvido

Linda enrolava o fone de ouvido nas mãos, afinal, sempre fora preocupada com organização e não gostava de perder tempo desenrolando-o. Enquanto isso, pensava no erro que acabara de cometer. Pensava em como fora capaz de cometer um erro tão grande com aquele que tanto amava! Guardou os fones de ouvido no bolso da calça e cruzou os dedos das mãos em frente ao rosto. Tensa, resolveu pegar os fones de ouvido de novo e voltar a ouvir música, que era a única coisa capaz de distraí-la no momento.

Pegou o emaranhado de fios e os olhou por sobre as mãos espalmadas. Algo parecia errado. Como podia um fone de ouvido adquirir vida própria e se enrolar da maneira como estava enrolado? Ela acabara de organizar os fios, como aquilo era possível?

Sem pensar mais no assunto, pôs-se a desatar os nós.

O Pedro pensa que é quem pra me tratar da maneira como tratou? Eu sou a garota da vida dele, como ele pode ser estúpido a tal ponto? Ele vai perceber que errou, vai perceber que me magoar foi o pior erro da vida dele, ele sempre faz isso, não é dessa vez que vai ser diferente!

Os fones continuavam enrolados e, nas mãos de Linda, pareciam um quebra-cabeça a ser solucionado. Com o indicador e o polegar da mão direita, pegou um pedaço de fio de um dos pontos e puxou. Com isso, vários outros vieram com ele, tornando o nó algo ainda mais confuso.

Deve ter sido culpa daquela sirigaita da amiga dele! Sim, aquela puta! Ela não desgruda dele nem um momento, como vou conseguir um minuto sequer ao lado dele? Será que ela não percebe que é um estorvo em NOSSAS vidas e que amigos são muito bons apenas quando cada um está na sua casa? Como é que consegue ser tão ridícula?

Pegou duas pontas de fio e puxou, mas o nó pareceu se aprofundar ainda mais, lembrando o que seria uma complexa teia de aranha, grossa demais para ser levada como real. Respirou fundo e prosseguiu, descrente de que pudesse estar enfrentando um quebra-cabeça tão difícil de ser solucionado. Por que os fones de ouvido têm sempre que se comportar assim?

Não tive como segurar, tive que falar com ele! Mas, é claro, não antes de falar com ela! Quer dizer, falei umas poucas e boas, pedi que se afastasse do MEU namorado, xinguei ela de puta e muito mais, ela chorou, mas eu não posso fazer nada! Não acredito em amizades entre homens e mulheres, tenho certeza de que ela estava dando em cima dele, tanto que nunca mais voltou a falar com ele!

Jogou o emaranhado de fios em cima da mesa e suspirou, frustrada. Encarou a "obra de arte" por mais um instante e, determinada, agarrou o quebra-cabeça, mexendo aqui e ali com o indicador, movimentando fios sobrepostos por superpostos, acreditando que aqueles movimentos finalmente libertariam o fone do nó e ela de um grande tormento.

E agora ele está irritado comigo...

De repente, Linda teve a impressão de que estava próxima de desatar o monte de nós que tinha em mãos. Só precisava fazer os movimentos certos.

É claro que está... Perdeu uma amiga por minha causa. Querendo ou não, acabei influenciando em sua vida de maneira negativa e fiz com que ele perdesse uma pessoa de que gostava muito. Meu deus, como fui cruel? Por que não pensei antes de fazer tamanha cagada? Poxa vida, isso foi tão ruim da minha parte!

Só precisava puxar mais um fio...

Compreendo perfeitamente o nervosismo do Pedro. Fiz com que ele perdesse um de seus grandes amores. Minha nossa, isso não foi bom da minha parte, agora entendo porque ele está tão nervoso comigo...

E soltou o nó.

Eu fui a causadora da nossa separação. Eu fui a causadora do nosso desentendimento. Fui eu que fiz o nosso relacionamento seguir por esse caminho...

Havia sido Linda quem fizera o nó em seus fones de ouvido.

Largando os fones desorganizadamente em cima da mesa, Linda correu até o telefone. Da mesma forma como acabara de desatar o nó que ela mesma havia feito, agora queria resolver uma situação delicada que ela mesma havia criado.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Morte Mais Bonita da Cidade

~Dê play nisso antes de começar a ler~

A mão dela estava fria, segurando a dele com muito esforço. O que motivava o gesto era o amor que sentia por aquele que agora lhe olhava de cima, como um deus assistindo a todo um mundo. Aliás, era provável que Deus estivesse naquele quarto, pois ela sabia que sua hora estava chegando. A mulher deitada na cama, assistida pelo seu marido, que segurava com todas as forças o choro para não demonstrar fraqueza, estava doente. Pior do que isso, estava à beira da morte e tinha total consciência disso.

Mas estava bem.

Olhou ao redor do quarto, aquele que dividira com o apaixonado marido por quatro curtos anos, e sentiu nostalgia. Estava para deixar tudo aquilo, pensava, e não sentia nenhuma tristeza grande por isso. Quer dizer, gostava daquele ambiente, mas o sentimento de estar para morrer a confortava. E, de alguma forma, queria todos ao seu redor, no caso, o seu marido, estivessem como ela, tranquilos.

Ouviu alguém chamar o seu nome e teve certeza de que a hora estava próxima.

- Amor... - sussurrou com dificuldade para o homem ao seu lado na cama. - Posso te pedir uma coisa antes de partir?

- Meu deus, não fale assim! - ele implorou. - Os médicos estão a caminho!

- Por favor, me conceda esse favor...

- Não fale assim...

- Cante pra mim uma música.

- U-Uma música?... Qual música?

- Oração... - ela falou e respirou fundo. Falar doía muito no seu peito. - Aquela da... da Banda Mais... - não conseguiu terminar, lhe faltou fôlego. Respirou fundo e prosseguiu: - Você conhece, amor...

Ela está delirando, pensou o homem. Entretanto, achou justo o pedido da mulher e aceitou cantar a música. Não sabia se conhecia a letra inteira, mas achou que poderia tentar se começasse. Teve a impressão de que iria chorar em poucos segundos. Abriu a boca e, com a voz rouca, entoou:

- ♪ Meu amor, essa é a última oração, pra acalmar seu coração - passou a mão no peito da mulher, que subia e descia num ritmo mórbido. - ♪ Coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o... - não conseguiu segurar uma lágrima, que se desprendeu e caiu solenemente sob o busto da mulher. - ♪ Cabe o meu amor... Cabem três vidas inteiras... - Acabou se lembrando do filho, que agora estava com a vó, uma maneira de privá-lo da dor de ver a mãe partir. Mais uma lágrima. - ♪ Cabe uma penteadeira... - Sem perceber, se virou para a penteadeira, que ficava de frente para a cama. Ali, aquele lugar, era o que sua mulher mais amava! Era onde passava horas se arrumando, afinal, sempre fora vaidosa. Além do mais, ali se encontrava a bíblia, aquela que lia quando se sentia triste, aquela que lhe dizia tudo o que precisava saber. Meu deus, essa música é pra ela... - ♪ Cabe nós dois... Cabe até o meu amor, essa é a última oração, pra acalmar seu coração, coração não é tão simples quanto pensa - Sorrindo e chorando muito, passou mais uma vez a mão sobre o peito da mulher, que também sorria e chorava, mas com alegria. - ♪ Nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o meu amor...

Não se sabe ao certo quanto tempo o homem cantou a música para a sua mulher, mas uma coisa era certa: não foi tempo suficiente para que pudesse cantar quarenta e quatro vezes os mesmos versos, como a música original era cantada. Antes disso, a mão da mulher na sua afrouxou, os olhos dela se fecharam, o sorriso permaneceu estampado em seu rosto.

Sua mulher acabava de morrer.

O homem respirou fundo, o corpo tremia com algum sentimento que não sabia explicar. Estava profundamente emocionado, oh, como estava! As lágrimas cessaram por um instante, e, pensativo, ele encarou a mulher que deixara a vida. Seu semblante parecia querer dizer algo, mas o quê?

"Não fique triste", ouviu a voz da mulher dizer na sua mente. "Eu estou feliz, olha como sorrio".

Ainda com o refrão de "Oração" na mente, o homem abraçou com força sua mulher e chorou. Não estava chorando de tristeza, chorava de alegria. Pensava em como ela tinha sido sábia em escolher aquela música, aquela com letra tão peculiar, para ouvir antes de partir. Agora entendia porque ela gostava da música, ela lhe trazia algo bom.

O homem não mais ficou triste. Por mais que tivesse perdido a mulher, lembrou-se de que ela ainda estava no seu coração e jamais sairia dali. Sorriu ainda mais e se sentiu cheio de vida. Não perdera a mulher que gostava, e jamais perderia.

O corpo de sua mulher estava sem vida, mas, para ele, era como se isso não tivesse nenhuma importância. É assim que ela quer que eu me sinta, portanto, feliz é como todos me encontrarão. E deixou o quarto para dar prosseguimento com as papeladas do velório.