segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Morte Mais Bonita da Cidade

~Dê play nisso antes de começar a ler~

A mão dela estava fria, segurando a dele com muito esforço. O que motivava o gesto era o amor que sentia por aquele que agora lhe olhava de cima, como um deus assistindo a todo um mundo. Aliás, era provável que Deus estivesse naquele quarto, pois ela sabia que sua hora estava chegando. A mulher deitada na cama, assistida pelo seu marido, que segurava com todas as forças o choro para não demonstrar fraqueza, estava doente. Pior do que isso, estava à beira da morte e tinha total consciência disso.

Mas estava bem.

Olhou ao redor do quarto, aquele que dividira com o apaixonado marido por quatro curtos anos, e sentiu nostalgia. Estava para deixar tudo aquilo, pensava, e não sentia nenhuma tristeza grande por isso. Quer dizer, gostava daquele ambiente, mas o sentimento de estar para morrer a confortava. E, de alguma forma, queria todos ao seu redor, no caso, o seu marido, estivessem como ela, tranquilos.

Ouviu alguém chamar o seu nome e teve certeza de que a hora estava próxima.

- Amor... - sussurrou com dificuldade para o homem ao seu lado na cama. - Posso te pedir uma coisa antes de partir?

- Meu deus, não fale assim! - ele implorou. - Os médicos estão a caminho!

- Por favor, me conceda esse favor...

- Não fale assim...

- Cante pra mim uma música.

- U-Uma música?... Qual música?

- Oração... - ela falou e respirou fundo. Falar doía muito no seu peito. - Aquela da... da Banda Mais... - não conseguiu terminar, lhe faltou fôlego. Respirou fundo e prosseguiu: - Você conhece, amor...

Ela está delirando, pensou o homem. Entretanto, achou justo o pedido da mulher e aceitou cantar a música. Não sabia se conhecia a letra inteira, mas achou que poderia tentar se começasse. Teve a impressão de que iria chorar em poucos segundos. Abriu a boca e, com a voz rouca, entoou:

- ♪ Meu amor, essa é a última oração, pra acalmar seu coração - passou a mão no peito da mulher, que subia e descia num ritmo mórbido. - ♪ Coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o... - não conseguiu segurar uma lágrima, que se desprendeu e caiu solenemente sob o busto da mulher. - ♪ Cabe o meu amor... Cabem três vidas inteiras... - Acabou se lembrando do filho, que agora estava com a vó, uma maneira de privá-lo da dor de ver a mãe partir. Mais uma lágrima. - ♪ Cabe uma penteadeira... - Sem perceber, se virou para a penteadeira, que ficava de frente para a cama. Ali, aquele lugar, era o que sua mulher mais amava! Era onde passava horas se arrumando, afinal, sempre fora vaidosa. Além do mais, ali se encontrava a bíblia, aquela que lia quando se sentia triste, aquela que lhe dizia tudo o que precisava saber. Meu deus, essa música é pra ela... - ♪ Cabe nós dois... Cabe até o meu amor, essa é a última oração, pra acalmar seu coração, coração não é tão simples quanto pensa - Sorrindo e chorando muito, passou mais uma vez a mão sobre o peito da mulher, que também sorria e chorava, mas com alegria. - ♪ Nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o meu amor...

Não se sabe ao certo quanto tempo o homem cantou a música para a sua mulher, mas uma coisa era certa: não foi tempo suficiente para que pudesse cantar quarenta e quatro vezes os mesmos versos, como a música original era cantada. Antes disso, a mão da mulher na sua afrouxou, os olhos dela se fecharam, o sorriso permaneceu estampado em seu rosto.

Sua mulher acabava de morrer.

O homem respirou fundo, o corpo tremia com algum sentimento que não sabia explicar. Estava profundamente emocionado, oh, como estava! As lágrimas cessaram por um instante, e, pensativo, ele encarou a mulher que deixara a vida. Seu semblante parecia querer dizer algo, mas o quê?

"Não fique triste", ouviu a voz da mulher dizer na sua mente. "Eu estou feliz, olha como sorrio".

Ainda com o refrão de "Oração" na mente, o homem abraçou com força sua mulher e chorou. Não estava chorando de tristeza, chorava de alegria. Pensava em como ela tinha sido sábia em escolher aquela música, aquela com letra tão peculiar, para ouvir antes de partir. Agora entendia porque ela gostava da música, ela lhe trazia algo bom.

O homem não mais ficou triste. Por mais que tivesse perdido a mulher, lembrou-se de que ela ainda estava no seu coração e jamais sairia dali. Sorriu ainda mais e se sentiu cheio de vida. Não perdera a mulher que gostava, e jamais perderia.

O corpo de sua mulher estava sem vida, mas, para ele, era como se isso não tivesse nenhuma importância. É assim que ela quer que eu me sinta, portanto, feliz é como todos me encontrarão. E deixou o quarto para dar prosseguimento com as papeladas do velório.

Um comentário: