quarta-feira, 8 de junho de 2011

Os Nós do Fone de Ouvido

Linda enrolava o fone de ouvido nas mãos, afinal, sempre fora preocupada com organização e não gostava de perder tempo desenrolando-o. Enquanto isso, pensava no erro que acabara de cometer. Pensava em como fora capaz de cometer um erro tão grande com aquele que tanto amava! Guardou os fones de ouvido no bolso da calça e cruzou os dedos das mãos em frente ao rosto. Tensa, resolveu pegar os fones de ouvido de novo e voltar a ouvir música, que era a única coisa capaz de distraí-la no momento.

Pegou o emaranhado de fios e os olhou por sobre as mãos espalmadas. Algo parecia errado. Como podia um fone de ouvido adquirir vida própria e se enrolar da maneira como estava enrolado? Ela acabara de organizar os fios, como aquilo era possível?

Sem pensar mais no assunto, pôs-se a desatar os nós.

O Pedro pensa que é quem pra me tratar da maneira como tratou? Eu sou a garota da vida dele, como ele pode ser estúpido a tal ponto? Ele vai perceber que errou, vai perceber que me magoar foi o pior erro da vida dele, ele sempre faz isso, não é dessa vez que vai ser diferente!

Os fones continuavam enrolados e, nas mãos de Linda, pareciam um quebra-cabeça a ser solucionado. Com o indicador e o polegar da mão direita, pegou um pedaço de fio de um dos pontos e puxou. Com isso, vários outros vieram com ele, tornando o nó algo ainda mais confuso.

Deve ter sido culpa daquela sirigaita da amiga dele! Sim, aquela puta! Ela não desgruda dele nem um momento, como vou conseguir um minuto sequer ao lado dele? Será que ela não percebe que é um estorvo em NOSSAS vidas e que amigos são muito bons apenas quando cada um está na sua casa? Como é que consegue ser tão ridícula?

Pegou duas pontas de fio e puxou, mas o nó pareceu se aprofundar ainda mais, lembrando o que seria uma complexa teia de aranha, grossa demais para ser levada como real. Respirou fundo e prosseguiu, descrente de que pudesse estar enfrentando um quebra-cabeça tão difícil de ser solucionado. Por que os fones de ouvido têm sempre que se comportar assim?

Não tive como segurar, tive que falar com ele! Mas, é claro, não antes de falar com ela! Quer dizer, falei umas poucas e boas, pedi que se afastasse do MEU namorado, xinguei ela de puta e muito mais, ela chorou, mas eu não posso fazer nada! Não acredito em amizades entre homens e mulheres, tenho certeza de que ela estava dando em cima dele, tanto que nunca mais voltou a falar com ele!

Jogou o emaranhado de fios em cima da mesa e suspirou, frustrada. Encarou a "obra de arte" por mais um instante e, determinada, agarrou o quebra-cabeça, mexendo aqui e ali com o indicador, movimentando fios sobrepostos por superpostos, acreditando que aqueles movimentos finalmente libertariam o fone do nó e ela de um grande tormento.

E agora ele está irritado comigo...

De repente, Linda teve a impressão de que estava próxima de desatar o monte de nós que tinha em mãos. Só precisava fazer os movimentos certos.

É claro que está... Perdeu uma amiga por minha causa. Querendo ou não, acabei influenciando em sua vida de maneira negativa e fiz com que ele perdesse uma pessoa de que gostava muito. Meu deus, como fui cruel? Por que não pensei antes de fazer tamanha cagada? Poxa vida, isso foi tão ruim da minha parte!

Só precisava puxar mais um fio...

Compreendo perfeitamente o nervosismo do Pedro. Fiz com que ele perdesse um de seus grandes amores. Minha nossa, isso não foi bom da minha parte, agora entendo porque ele está tão nervoso comigo...

E soltou o nó.

Eu fui a causadora da nossa separação. Eu fui a causadora do nosso desentendimento. Fui eu que fiz o nosso relacionamento seguir por esse caminho...

Havia sido Linda quem fizera o nó em seus fones de ouvido.

Largando os fones desorganizadamente em cima da mesa, Linda correu até o telefone. Da mesma forma como acabara de desatar o nó que ela mesma havia feito, agora queria resolver uma situação delicada que ela mesma havia criado.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Morte Mais Bonita da Cidade

~Dê play nisso antes de começar a ler~

A mão dela estava fria, segurando a dele com muito esforço. O que motivava o gesto era o amor que sentia por aquele que agora lhe olhava de cima, como um deus assistindo a todo um mundo. Aliás, era provável que Deus estivesse naquele quarto, pois ela sabia que sua hora estava chegando. A mulher deitada na cama, assistida pelo seu marido, que segurava com todas as forças o choro para não demonstrar fraqueza, estava doente. Pior do que isso, estava à beira da morte e tinha total consciência disso.

Mas estava bem.

Olhou ao redor do quarto, aquele que dividira com o apaixonado marido por quatro curtos anos, e sentiu nostalgia. Estava para deixar tudo aquilo, pensava, e não sentia nenhuma tristeza grande por isso. Quer dizer, gostava daquele ambiente, mas o sentimento de estar para morrer a confortava. E, de alguma forma, queria todos ao seu redor, no caso, o seu marido, estivessem como ela, tranquilos.

Ouviu alguém chamar o seu nome e teve certeza de que a hora estava próxima.

- Amor... - sussurrou com dificuldade para o homem ao seu lado na cama. - Posso te pedir uma coisa antes de partir?

- Meu deus, não fale assim! - ele implorou. - Os médicos estão a caminho!

- Por favor, me conceda esse favor...

- Não fale assim...

- Cante pra mim uma música.

- U-Uma música?... Qual música?

- Oração... - ela falou e respirou fundo. Falar doía muito no seu peito. - Aquela da... da Banda Mais... - não conseguiu terminar, lhe faltou fôlego. Respirou fundo e prosseguiu: - Você conhece, amor...

Ela está delirando, pensou o homem. Entretanto, achou justo o pedido da mulher e aceitou cantar a música. Não sabia se conhecia a letra inteira, mas achou que poderia tentar se começasse. Teve a impressão de que iria chorar em poucos segundos. Abriu a boca e, com a voz rouca, entoou:

- ♪ Meu amor, essa é a última oração, pra acalmar seu coração - passou a mão no peito da mulher, que subia e descia num ritmo mórbido. - ♪ Coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o... - não conseguiu segurar uma lágrima, que se desprendeu e caiu solenemente sob o busto da mulher. - ♪ Cabe o meu amor... Cabem três vidas inteiras... - Acabou se lembrando do filho, que agora estava com a vó, uma maneira de privá-lo da dor de ver a mãe partir. Mais uma lágrima. - ♪ Cabe uma penteadeira... - Sem perceber, se virou para a penteadeira, que ficava de frente para a cama. Ali, aquele lugar, era o que sua mulher mais amava! Era onde passava horas se arrumando, afinal, sempre fora vaidosa. Além do mais, ali se encontrava a bíblia, aquela que lia quando se sentia triste, aquela que lhe dizia tudo o que precisava saber. Meu deus, essa música é pra ela... - ♪ Cabe nós dois... Cabe até o meu amor, essa é a última oração, pra acalmar seu coração, coração não é tão simples quanto pensa - Sorrindo e chorando muito, passou mais uma vez a mão sobre o peito da mulher, que também sorria e chorava, mas com alegria. - ♪ Nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o meu amor...

Não se sabe ao certo quanto tempo o homem cantou a música para a sua mulher, mas uma coisa era certa: não foi tempo suficiente para que pudesse cantar quarenta e quatro vezes os mesmos versos, como a música original era cantada. Antes disso, a mão da mulher na sua afrouxou, os olhos dela se fecharam, o sorriso permaneceu estampado em seu rosto.

Sua mulher acabava de morrer.

O homem respirou fundo, o corpo tremia com algum sentimento que não sabia explicar. Estava profundamente emocionado, oh, como estava! As lágrimas cessaram por um instante, e, pensativo, ele encarou a mulher que deixara a vida. Seu semblante parecia querer dizer algo, mas o quê?

"Não fique triste", ouviu a voz da mulher dizer na sua mente. "Eu estou feliz, olha como sorrio".

Ainda com o refrão de "Oração" na mente, o homem abraçou com força sua mulher e chorou. Não estava chorando de tristeza, chorava de alegria. Pensava em como ela tinha sido sábia em escolher aquela música, aquela com letra tão peculiar, para ouvir antes de partir. Agora entendia porque ela gostava da música, ela lhe trazia algo bom.

O homem não mais ficou triste. Por mais que tivesse perdido a mulher, lembrou-se de que ela ainda estava no seu coração e jamais sairia dali. Sorriu ainda mais e se sentiu cheio de vida. Não perdera a mulher que gostava, e jamais perderia.

O corpo de sua mulher estava sem vida, mas, para ele, era como se isso não tivesse nenhuma importância. É assim que ela quer que eu me sinta, portanto, feliz é como todos me encontrarão. E deixou o quarto para dar prosseguimento com as papeladas do velório.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

À Moda do Amor Dele


Nunca fui muito boa ou segura em questões de relacionamento, mas a vida me mostrou que eu estava simplesmente agindo de forma errada. Quer dizer, pelo menos no que diz respeito aos meus padrões, e isso engloba o fato de eu ser uma menina linda, de cabelos castanhos e ondulados de causa inveja, de andar sempre bem maquiada e com as melhores roupas, que sempre acompanham a moda. A minha intenção nunca foi chamar a atenção de ninguém; se eu comprava roupas bonitas e da moda, ou alguma tendência, era pelo simples fato de eu achar a roupa bonita. E assim cresci.

Hoje tenho os meus 17 para 18 anos e, num piscar de olhos, percebi que sou desejada. Os meninos olham sempre pra mim, me despindo com suas imaginações, tocando o meu corpo de maneira ilusória e fazendo outras coisas mais que não quero entrar em detalhes, até porque não estou junto quando eles fazem o que fazem e não me interesso em saber como funciona.

Mas, enfim, nunca me interessei por ninguém. Ser desejada é fenomenal, mas desejar alguém me parece algo tão piegas. Quer dizer, o problema não é o namoro, afinal, eu poderia ficar com alguém se quisesse. O problema é o fato de que ninguém é perfeito o bastante para mim. Ninguém. Observem-me e concordem, sou linda demais para qualquer um desses garotos da escola.

Até esse exato momento.

Lá vem ele no corredor, O MENINO! Alto, magro na medida certa, carregando uma atitude que nenhum outro ser do sexo masculino tem por aqui... E o que é mais legal: ele também entra na moda. Atentem ao fato de que o cabelo dele está penteado de forma descola, erguido para cima como uma tocha negra acesa, as roupas descoladas, influenciadas pelo que se usava na década de 80, calça skinny, tênis All Star, colete jeans rasgado, minha nossa, ele é perfeito! Não consigo me imaginar ao lado de mais ninguém!

Quer dizer, ele poderia tirar os piercings que ostentam em grande número a sua orelha, mas, fora isso, tenho certeza de que está tudo certo. Ele é o cara certo para mim e não pode ser mais de nenhuma garota além de mim! Ninguém!

Caminho na direção dele no corredor e a cada passo percebo que nasci para ele. Eu simplesmente fui feita na moda do amor dele. Eu sou a tendência dele, eu sou quem ele procura, e ele vai me encontrar, e seremos felizes, o casal mais lindo da escola, aquele que sabe tudo sobre moda e tudo sobre tendências, aquele que completa um ao outro como a tampa e panela, aquele que...

- Olá, Jeferson - falei, parando-o no corredor. Afastei os cabelos para trás no intuito de fazer um certo charme.

- Olá, Angélica - ele respondeu de maneira esquisita. - Algo em que eu possa te ajudar?

- Sim. Tenho algo para lhe falar e não quero ser interrompida, portanto, ouça até o fim.

Ele assentiu com a cabeça.

- Eu nasci para você, Jefferson, e mais nenhuma outra menina dessa escola merece você se não for eu mesma! Agora, com licença - agarrei o pescoço dele e o puxei para um beijo. Ele não hesitou, e aceitou o beijo que levou cerca de dez segundos para terminar. Feito isso, continuei: - E então, o que me diz?

- Ahn... Posso te falar uma coisa?

- Qualquer uma - respondi, esperando o momento de selamento do nosso relacionamento.

- Não conte pra ninguém ainda, mas eu sou gay.

Choquei-me contra uma parede de concreto.

- Eu não quis falar com ninguém ainda, acho muito cedo. Mas o beijo foi bom - ele prosseguiu.

Eu não tinha o que falar.

- A propósito, amei o seu casaco. Você se veste muito bem, quem sabe não daria certo de fazermos faculdade de moda juntos, hein?

- Não quero fazer faculdade de moda com você! - esbravejei e me retirei.

Ele é gay...?, eu repetia em pensamento. Parecia mentira demais para mim. Será que era o destino pregando uma peça em mim? Quer dizer, eu desejei tão fortemente que ele não fosse mais de nenhuma garota além de mim e, de fato, isso parece que aconteceu. Será que não nascemos um para o outro?

Ele que se dane. Ainda vou encontrar um macho que gosta de moda, assim como eu, e, junto, vamos ser o casal mais lindo, bem vestido e etc do mundo. Eu não preciso de você, Jeferson!

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Bom, pra quem já ouviu a música, deve ter percebido as fortes referências à "Fashion of His Love", da Lady Gaga. Acontece que eu gostei tanto dessa música, não por causa da letra unicamente, mas por causa da melodia meio anos 80, que me senti inspirado o suficiente para criar uma história sobre. Espero que tenha ficado boa. Se tiver alguma música que queira transformar em conto, é só dizer.