sábado, 30 de julho de 2011

Molde-me Para Me Amar? Ahn?


O rapaz tinha certeza de que a amava. Quer dizer, pelo menos era o que seu cérebro lhe dizia. Ele a olhava e pensava "É... Essa pode ser a menina da minha vida, com certeza. Com toda a certeza".

Antes, é claro, ela precisava fazer algumas mudanças.

- Que tal se - ele começou a dizer certeza vez -, você mudasse o seu cabelo? É verdade. Seu cabelo é bom, mas ficaria lindo se fosse loiro. E se fosse cortado com um corte mais moderno. Você é linda, sem sombra de dúvida, mas não acha que seríamos um casal lindo se seu cabelo fosse loiro? Que nem o da Britney Spears, vai? Ela é bonita pra caramba.

A menina, que o amava como nunca, com ternura, com felicidade, aceitou o conselho. E fez a mudança. Pintou os cabelos de louro. Seus amigos notaram a diferença e, é claro, perguntaram porque a mudança drástica. Ela disse que era porque queria ser mais moderna, a sociedade pedia isso, e talvez fizesse bem até pra sua auto-estima. Uma mentira, é claro, afinal, o motivo disso era o menino com quem estava andando, pois em nenhum momento a sociedade havia pedido isso. De qualquer forma, seus amigos nem mesmo questionaram.

Dias depois, o menino notou que a menina que escolhera pra vida era um tanto quieta. Quando saíam juntos, era como se ela não se enturmasse com ninguém em sua turma de amigos, não abria a boca para questionar ou comentar qualquer coisa, o que acabava sendo um verdadeiro vexame para ele. Como forma de querer mudar isso, mas sem ser agressivo, ele a abordou certa vez e disse:

- Queria que você fosse mais amiga. - Ela achou estranho aquilo, mas quis ouvir até o fim. - Queria que conversasse mais com os outros, que falasse mais, fosse mais extrovertida. Opine sobre as coisas, mesmo que não te peçam isso. Vai ser melhor para nós dois. Seremos mais felizes.

Ela, que o amava incondicionalmente, acatou ao pedido e fez essa mudança, que foi bastante demorada. Sempre fora uma garota quieta, que só falava quando necessário, e nunca achou que isso fosse problema. Quer dizer, sua família, e isso incluía desde sua mãe, seu pai e irmã até outros primos e tios, nunca reclamou de nada. Nem mesmo os amigos, que gostavam dela dessa maneira que sempre agira.

Mas se seu parceiro dizia que isso precisava ser mudado, talvez de fato precisasse. E aplicou essa mudança.

Ela era uma garota muito fantasiosa. Quando estava quieta, viajava em diversos pensamentos. Portanto, abrir a boca quando costumava ficar quieta funcionou de maneira inesperada. Quando conversava, o que falava era ouvido com estranheza por todos ao redor. Quer dizer, ela não era de falar muitos palavrões, e falava tão direitinho que, sim, todos acharam estranho. E suas teorias sobre os assuntos eram tão complexas que quase ninguém entendia. Tudo bem que seus amigos não viam problema naquilo, mas os amigos do seu amado viam.

Inclusive ele viu.

- Por favor, seja mais natural! - ele falou e ela até achou um pouco arrogante da sua parte. - Meu deus, você parece uma enciclopédia ambulante falando! Parece um robô, algo assim! Afinal, você tem problemas de personalidade? Não consegue conversar como qualquer outra pessoa?

- Não estou entendendo - foi o que ela disse, e seu coração doeu.

- O que estou querendo dizer é: por que você não muda! Poxa vida, se fosse assim, assim, assado (ela não lembrava com precisão as coisas que ele pediu que ela mudasse), seríamos muito mais felizes! Seríamos o casal perfeito! Nossa relação seria melhor, inclusive as nossas relações sexuais! Teríamos felicidade, finalmente!

- O que está querendo dizer é que eu preciso mudar pra você me ame realmente?

- Isso!

- Então o seu amor por mim não é verdadeiro.

O rapaz arregalou os olhos diante daquilo.

- Você me conheceu de um jeito, disse que me amava - ela prosseguiu -, mas têm exigido tantas mudanças de mim que até parece que não sou perfeita pra você. Você quer me moldar. Você quer que eu seja outra pessoa! Se me amasse de verdade, meus defeitos e qualidades não te importariam, afinal, quem ama ama o que o outro é, não o que ele pode vir a ser.

Olhando-o com repugnância, ela finalizou.

- Não ou um boneco de massinha que você pode mudar quando bem entender. Se me quisesse de verdade, gostaria de mim pelo que sou. Porém, não é esse o caso.

A garota se virou, abriu e bateu a porta da casa do rapaz ao sair e sumiu. Horas depois, estava na companhia de amigos, que realmente gostavam dela da maneira como ela era. E com eles ela não tinha problemas, ah, não. Afinal, aqueles amigos a amavam de verdade. Aquilo era o amor.

E então ela nunca mais voltou a ver o rapaz, pois o que queria, um amor verdadeiro, não era encontrado nele.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Mentirosa Entrevista de Emprego!


- Qual é o seu nome? - perguntou o homem à minha frente, cujo nome eu não lembrava.

Entrevista de emprego. Lá estava eu, sentado de frente para um homem de aspecto autoritátio, aquele tipo de gente que dá medo de encarar, de causar má impressão, de falar a coisa errada e ser julgado errado. O que eu tinha que fazer era conquistá-lo para que a vaga fosse minha. Era necessário que eu calculasse bem as minhas palavras para que elas agradassem os ouvidos daquele que poderia vir a ser o meu novo chefe.

Me deseje sorte!

- Marcelo Rocha - respondi e sorri. Meus lábios tremularam com dois segundos de sorriso.

- Certo, Marcelo... Vamos começar a entrevista, então. Diga-me algumas das suas qualidades.

Ah, e lá vem a clássica pergunta!

Tenho muitas qualidades! Sei praticar esportes como ninguém - aliás, sou um ás do futebol. Meus amigos sempre querem que eu jogue em seus times em nossas peladas semanais, e eu sempre me saio bem - me garanto com a bola no pé. Poderia dizer que a minha pontaria é excelente, já que muito dificilmente erro algum gol. Se chuto na rede, já era, ponto para o meu time! Também sou um excelente líder, sei como tomar conta do nosso time de futebol - sou um excelente técnico, por assim dizer. Entretanto, no que isso somaria no que diz respeito às qualidades que a empresa procura?

Vou ter que mentir.

- Sou responsável - foi o que saiu da minha boca, porém, cá entre nós, está longe de mim ser uma pessoa responsável. Minhas contas atrasadas e perdas de compromissos diriam isso por mim. - E sou organizado, também - outra mentira. Se meu quarto pudesse ouvir o que estou dizendo, certamente estaria dando uma gostosa e sarcástica risada. As roupas espalhadas em cima da cômoda se sentiriam afrontadas diante de tal afirmação.

- Muito bem, muito bem. E poderia me citar alguns defeitos?

Defeitos? Ah, por favor!

Quem contrataria alguém com defeitos? Vamos combinar, defeitos eu tenho vários! Além da irresponsabilidade e falta de organização, sou preguiçoso. Sim. Acordar cedo é um processo lento e doloroso pra mim, até parece que eu e a cama temos um campo magnético só nosso, onde ela me atrai e eu a atraio, não conseguimos nos desgrudar enquanto a voz estridente da minha mãe não gritar o meu nome. Sou tão preguiçoso que não tomo banho de domingo, já que não faço nada de mais nesse dia. Sou tão preguiçoso que não faço o meu próprio alimento. Sou tão preguiçoso que faço trabalhos de escola de qualquer jeito só para garantir um C e me livrar logo disso. Mas será que isso atrapalharia o fato de eu poder ser escolhido naquele processo seletivo?

Mas é claro que sim! Quem contrataria alguém preguiçoso? Vou ter que mentir.

- Sou perfeccionista - foram as palavras que desenrolaram a partir da minha boca. Ah, a mentira! Onde eu seria perfeccionista, quando não dou a mínima para as coisas, desde que elas sejam práticas? De qualquer forma, quem se importa? Agora ele vai pensar que me importo tanto em fazer um trabalho bem feito que isso acaba sendo um defeito na minha vida. Ponto positivo para mim.

- Certo... - ele falou e seu olhar baixou para o meu currículo. - Fale-me um pouco sobre suas outras experiências profissionais.

Ah, as experiências profissionais...

Menti a maioria delas. Estou para trabalhar numa empresa que presta serviços de contabilidade para outras empresas e vou falar que trabalhei como carregador de galões de água, depois como atendente numa lanchonete do Habib's e até que fiz bico de natal para uma loja de roupas de surf? Jamais! Coloquei que já trabalhei com contabilidade antes, numa empresa não muito longe de casa, onde um amigo meu trabalha. Ele prometeu que me acobertaria caso acontecesse de o entrevistador entrar em contato com ele para verificar a veracidade das informações. Não tem como dar errado.

- Foi uma experiência muito boa - comecei falando. - Eu trabalhava fazendo contas - não existe problema nenhum em falar isso, afinal, todos nós sabemos fazer contas -, eu fazia cartas para os funcionários e para cartórios com o Word - qualquer um sabe mexer no Word, não tenho problema nenhum em afirmar isso -, eu verificava e preenchia planilhas do Excel - bang! Primeiro problema na minha fala: eu não sei mexer no Excel. Se tiver algum teste disso, certamente eu estarei ferrado - e fiz muito boas relações. - Que se dane se isso não for uma boa coisa!

- Está certo...

O entrevistador ficou olhando para o meu currículo durante um tempo que pareceu duas horas seguidas, sem dizer uma palavra sequer. Enquanto isso, eu só ouvia o incessante clic! que ele fazia ao apertar várias e várias vezes o botão da caneta que usava. Depois disso, ele olhou para mim e, sério, falou:

- Entraremos em contato com você.

- Ok. Muito obrigado - falei e me levantei para me retirar.

Não houve contato posterior. Esperei por duas semanas seguidas a resposta, mas não obtive nenhuma. Poxa vida, eu dei as melhores informações possíveis, criei um personagem de funcionário perfeito, que qualquer empresa contrataria, por que não fui chamado?

Será que foi porque menti?

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Moral da história:
Mentir para agradar alguém jamais vai dar certo, pois quem mente não consegue ser natural. Dizer a verdade só lhe traz segurança. Assumir quem você realmente é é uma excelente maneira de cativar quem quer que você queira cativar.