sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O Efeito do S.O.P.A


S.O.P.A.

Até agora, essa palavra não tinha significado importante nenhum para mim. O que eu pensava quando lia essa sigla era que, juntas, as letras formavam o nome de um prato ralo, como água quente com sabor. Odeio tomar sopa. Odeio. Gosto de mastigar a comida, senti-la por entre os dentes, prestar atenção no sabor que elas emitem para minha língua, e sopa não consegue fazer isso de jeito nenhum. É quase um alimento líquido, então entra pela boca e vai para a garganta sem deixar memória nenhuma sua por onde passou.

Fora que não sustenta. Prefiro alimentos mais sólidos para que eu possa comê-los em grande quantidade e saciar a minha fome. Estou em fase de crescimento, preciso disso!

Entretanto, não é essa sopa que está me preocupando. Tá, talvez preocupar não seja a palavra certa, pois o que está acontecendo comigo é quase um estado de puro pavor. Estou a ponto de enfiar todos os meus dedos na boca e devorá-los, já que não tenho mais unhas.

S.O.P.A vem do inglês e significa Stop Online Piracy Act. Em bom e velho português, seria um ato para acabar com a pirataria online. O seu objetivo é um só: acabar com a minha vida!

Eu estava no twitter atualizando meu status mais uma vez, afinal, preciso dizer aos meus noventa seguidores o que estou fazendo. Eles querem saber e eu direi, senão não estariam me seguindo. Contudo, enquanto vasculhava a minha timeline, prestei a tenção numa notícia que me deixou perturbado. Era uma nota que falava sobre esse projeto de lei do S.O.P.A. O presidente dos Estados Unidos estava estudando a possibilidade de aprová-la. Enquanto isso, sites dos mais famosos protestavam como podiam, interrompendo seus acessos para evitarem ser prejudicados pela lei.

Tive que ler bastante para entender no que a lei me afetaria. Quando descobri, sussurrei:

- Ah, meu deus, S.O.P.A!

Eu não estava simplesmente com a vida acabada, eu estava para lá de ferrado, para não dizer nada pior! Como eu faria os meus downloads sem as drogas dos meus sites de downloads? E, na pior das hipóteses, como o meu blog continuaria a ser um sucesso se fosse proibido publicar conteúdo que não fosse feito por mim? Esse S.O.P.A quer é estragar com a minha vida!

Quando eu achava que já estava perdido o suficiente, veio a bomba: todas as redes sociais param de funcionar ao mesmo tempo. Atualizo os meus navegadores, verifico o roteador, ligo para o provedor, e nada! As redes não voltam! Fico ainda mais desesperado do que já estava no início e não é mais os dedos das mãos que quero devorar, mas os dos pés também. Eles não podem fazer isso comigo. Não podem!

Faço pesquisas atrás de notícias sobre o que está acontecendo e confirmo: houve um blackout das redes sociais. Fico paranoico e, de primeira, afirmo com toda a certeza: o governo americano está por trás disso. Associo diversos fatos até concluir que uma Terceira Guerra Mundial já deve estar a caminho.

Minha vida está arruinada! O que vou fazer sem a porra da internet! O meu dinheiro vem dela, os meus amigos estão lá, minhas fontes de informação, a minha cultura! Que droga, o que vou fazer?! Vou ter que unir multidões e protestar pelos meus direitos de liberdade de expressão? Vou ter que correr atrás dos principais líderes do mundo com armas de fogo em mãos para ameaçar assassiná-los caso não devolvam o que é meu? Os egípcios fizeram algo parecido, tenho certeza de que eu seria capaz de obter sucesso! Até porque não posso deixar a última palavra com quem não sabe de bosta nenhuma!

Estou pronto para me levantar e partir para a minha saga quando minha mãe surge na sala e diz com um sorriso que não condiz em nada com a situação no mundo:

- Filho, S.O.P.A!

- S-S.O.P.A?

Ela só pode estar de brincadeira! Que pessoa em sã consciência pode proferir o nome de uma lei tão medíocre com um sorriso tão jovial? Isso ó pode significar uma coisa: minha mãe apoia o S.O.P.A. Era só o que faltava, ela está maluca!

- Sim! Você não gosta? - minha mãe volta a dizer.

- EU ODEIO O S.O.P.A!

Não posso mais ficar aqui. Tenho que batalhar pelos meus direitos. Minhas redes sociais não podem ficar fora do ar por razões de terceiros! Preciso protestar enquanto ainda há tempo!

Chego ao meu quarto e me deparo com a minha bagunça. A princípio, eu gostaria de poder ajuntar todas as minhas coisas numa mochila e partir para essa batalha, mas então me desanimo. Não sei onde está nada e não seria capaz de fazer nada sem a minha mãe. Por conta disso, começo a chorar escandalosamente, agarrado a um travesseiro que encontrei a esmo em meio a tanta roupa suja.

Enquanto minha mãe apoiar essa droga de S.O.P.A, o dia continuará sendo tão horrível e amedrontante quanto está sendo agora. A guerra continuará. Em alguns minutos, a minha casa vai explodir com uma bomba, eu sei. E o que vou fazer a respeito? Nada. Estou sem acesso ao twitter para criar uma hashtag para protestar!

O Efeito da Sopa


Sopa.

Essa palavra muito intrigou Tereza, mãe de um jovem de dezessete anos, há algumas horas atrás. Nunca que o filho pedira sopa para o jantar em toda a sua vida. Aliás, nunca pediria, porque, assim como ela própria, o filho era obeso e isso porque, bem, eles preferiam alimentos mais gostosos do que nutritivos, portanto, os mais gordos. De qualquer forma, ela ouvira o filho mencionar uma sopa, e não havia dúvidas de que esse havia sido o seu pedido.

O filho estava na sala de estar quando disse o que disse. A mãe passara por ele com as compras que acabara de fazer, sorrindo para o garoto que nem mesmo desviou os olhos da tela do notebook que tinha no colo, e dirigiu-se em direção à cozinha. Foi então que ela o ouviu falar:

- Ah, meu deus, sopa!

A frase, a princípio, havia sido essa, mas o que Tereza ouviu foi:

- Ah, que vontade de comer sopa!

Claro, mãe protetora que era, preferia ver o filho andar com aquela imensa barriga que adquira na maioria dos seus anos de vida do que vê-lo com fome. Era capaz de fazer qualquer coisa que ele pedisse apenas para evitar que a frase "Estou faminto!" rompesse por aquela boca enorme e gorda. Por isso, se era desejo do filho, ela faria a sopa.

Sorridente, foi à cozinha e colheu os poucos legumes que achou. Eles não eram muito de comprar alimentos que não andassem ou respirassem. A geladeira tinha para mais de dez tipos de carne, em quantidade suficiente para alimentar uma pessoa solteira em três meses, mas aquela família de três pessoas as consumiam em uma semana, no máximo duas. Em meio à tanta carne, Tereza encontrou algumas cenouras machucadas e feias. Já era alguma coisa. No armário, achou batatas que quase criavam raízes e alguns chuchus. Três legumes, um verdadeiro record para uma mesma refeição dentro daquela casa. Achou que seria legal usar fubá, e já sabia onde encontrá-lo, já que aquele era um condimento que nunca faltava em suas receitas mais gordurosas. Para um começo, até que a receita da sopa prometia ser um sucesso, mas Tereza achava que faltava algo para dar gosto ao alimento.

Carne. Por que não?

Três tipos de carne foram escolhidos, as mais macias para serem facilmente cortadas em cubos e cozidas na água fervente. Mas carne cozida não agradava o paladar de Tereza, muito menos do seu filho ou do seu marido. Teria que improvisar. Em óleo quente com cebola e alho, ela fritou um pouco da carne e só então cozinhou-a com o restante dos ingredientes da sopa. O aroma exalado da panela era sedutor, mas Tereza ainda assim achava que faltava algo. Mas o quê?

Macarrão!

Cinco tipos de macarrão foram jogados na mistura quente e mexidos. A sopa era preparada numa incrível panela, que precisava de praticamente dois fogos acessos no fogão para manter-se quente. A senhora robusta mexia o alimento com força com o auxílio de uma colher de madeira, porque havia muito o que ser misturado ali. Se seu filho queria uma sopa, ele teria a sopa. E seria a mais deliciosa (e gordurosa) de todas!

O prato ficou pronto muitos minutos depois e Tereza já estava mais do que com água na boca. Então, decidiu servi-lo - mas primeiro a seu filho, que era mais importante, por ora. Afinal, não era ele quem queria tanto aquela sopa? Sem demorar mais, ela colocou uma generosa quantidade do alimento num prato que tinha quase um palmo de profundidade - portanto, uma tigela. Aquilo era pouco para o filho, mas depois ele poderia se servir de mais. Quem sabe aquela sopa não acabasse naquele mesmo dia?

Andando pomposamente, Tereza voltou à sala de estar com a tigela numa mão e um prato menor com três pães na outra. O refrigerante ela traria depois, afinal, tinha apenas duas mãos. Lá, encontrou o filho bastante pálido diante da tela do seu computador, os olhos bastante arregalados. Estava boquiaberto, também.

Ah, esses jogos de hoje, sempre tão envolventes!, Tereza pensou.

- Filho, sopa! - ela anunciou com o seu melhor e mais cortês sorriso.

- S-SOPA?! - ele repetiu estridente.

- Sim! Você não gosta?

- EU ODEIO O SOPA! - o garoto gritou de volta.

Lançando o notebook no chão com força, quebrando-o em centenas de pedaços, o garoto saiu correndo e, Tereza imaginou, correu para o quarto, onde trancou a porta com um baque. Seu choro era alto e podia ser ouvido da sala, como se ali estivesse acontecendo.

Tereza não entendeu o que estava acontecendo e jamais entenderia. Nunca mexera na internet.

Um pássaro cantou numa árvore do lado de fora e Tereza virou-se para a janela. O dia nunca estivera tão tranquilo e lindo. Nada de errado poderia acontecer enquanto aquele belo sol de verão estivesse a brilhar e pássaros como aqueles continuassem a cantar.