segunda-feira, 26 de abril de 2010

"Mulher da Vida" Também Chora

Quando vi aquela mulher adentrando ao meu estabelecimento de trabalho, não tive outra reação a não ser ficar chocada. Quando me disseram que uma mulher chamada Wanderleia tinha marcado uma análise comigo no meu consultório, pensei que fosse qualquer mulher, ou até mesmo uma que lembrasse muito aquela cantora de mesmo nome. No entanto, a mulher era extremamente diferente.

Loira de cabelos volumosos e lábios avantajados, a mulher parecia enorme aos meus olhos. Os seios quase pulavam pra fora de tão grandes que eram e o grande decote não ajudava a controlar esse efeito. A meu ver, ela estava vestida para ir à balada. Se eu visse uma mulher dessas na rua, ou acharia que uma prostituta, ou que era um travesti.

Ela se sentou no divã com cuidado, como se tivesse medo de cair. Descalçou os tamancos que a deixavam tão alta e se deitou desconfortavelmente.

- Espero que possa me ajudar. – Ela começou com uma voz estridente. À primeira instância, me pareceu uma mulher muito fútil. – Estou com problemas terríveis...

Naquele momento, ela começou a chorar. Tomando cuidado para não espetar os olhos com as imensas unhas que carregava em cada dedo, ela começou a limpar as lágrimas estragando por completo a sua maquiagem.

- As pessoas não me levam a sério... – Ela falou e as lágrimas escorriam em jorros pelo seu rosto. – E eu não sei o porquê disso, mas tudo o que eu queria era que as pessoas olhassem pra mim e me vissem como uma pessoa normal...

Eu lhe diria que não havia como. Com os peitos pulando para fora da blusa e aqueles cabelos tão louros que pareciam luzir as luzes do consultório, não havia como levá-la a sério. Nem mesmo eu estava levando.

- Eu queria ser ouvida... – Os soluços lhe interrompiam a fala. – Eu queria muito que as pessoas entendessem que eu tenho sentimentos e que posso viver normalmente como qualquer outra pessoa...

- Mas o que exatamente está te acontecendo?

- Eu quero casar... – E interrompeu-se para despejar mais alguns litros de lágrimas. – Os homens olham pra mim e pensam que eu sou...

Prostituta?

- ... “Mulher da vida” – ela completou. – Mas eu não sou.

Assenti com a cabeça e esperei que ela completasse.

- Quer dizer, se ando assim com essas vestimentas é porque tenho um objetivo. Meu namorado falava que eu era tão linda que podia ser uma coelhinha da Playboy...

- Sim, você é uma menina bonita.

- E quero ser uma coelhina da Playboy. Tenho que alimentar meus filhos.

Tive o ímpeto de rir ouvindo àquilo, mas me recusei a ceder a tal impulso; seria deselegante da minha parte.

- E nenhum homem quer se casar comigo... – Ela continuou. – Ninguém me leva a sério. Querem-me apenas para...

- Entendo, senhora.

- ... Mas eu quero uma vida normal. Quero criar meus filhos com um pai amoroso do meu lado. É isso o que quero pra mim. Mas algo em mim parece impelir esse desejo de se tornar realidade... O que seria isso, doutora?

Eu não sabia o que dizer. Não, eu não sabia mesmo o que dizer.

A mulher começou a chorar mais intensamente, sua maquiagem ficando cada vez mais horrível. Escondendo o rosto atrás das mãos, ela soluçava tanto que parecia morrer a qualquer momento. Seus grunhidos estavam ficando cada vez mais estridente.

Comecei a sentir empatia pela moça.

O relógio em cima da minha mesa avisou o fim da sessão.

- Me desculpe, Wanderleia, mas a nossa sessão já acabou.

- Tudo bem, não tem problema. Muito obrigada por me ajudar, doutora. Vou vir aqui mais vezes...

Levantando-se cabisbaixa, a mulher se foi. As lágrimas continuavam a escorrer pelo seu rosto.

Quando a porta a minha frente fechou, senti uma coceira no meu olho. No mesmo instante, comecei a chorar.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Nem Tudo é o que Parece

Não se sabia ao certo o porquê de terem deixado aquelas duas crianças sozinhas naquele quarto, mas a ideia pareceu absurda aos ouvidos das pessoas que ouviram a história mais tarde.

O que a mãe da menina tinha ido fazer, mesmo? Ah, sim, tinha ido comprar pão e leite. A filha e seu primo, ambos de 5 anos, ficariam sozinhos no ateliê da mãe enquanto ela ia ao mercado comprar pão e leite, já que aqueles dois não conseguiam ficar quietos sem que conseguissem mastigar algo. Ir ao mercado era um caso de urgência, então foi por isso que a mãe da menina pegou sua bolsa e fez as duas crianças prometerem que ficariam quietinhas em seus lugares até que ela voltasse.

As crianças até prometeram, e não tinham mentido. De fato, elas ficariam quietas em seus lugares enquanto a mãe não chegasse, mas assim que a porta do ateliê bateu, a promessa sumiu da mente das crianças num estalar de dedos.

- O que você quer fazer? - A menina perguntou ao menino.

- Quero fazer aquilo... - O menino respondeu com inocência.

- Aquilo?

- É, aquilo.

- Mas como a gente vai fazer aquilo? Nem tem cama aqui!

- A gente não precisa de cama para fazer aquilo, se lembra? Da última vez, a gente fez no jardim, e a gente nem tinha cama.

- Mas a menina naquele filme fez na cama e pareceu funcionar muito bem.

- Não precisa fazer na cama! - O menino insistiu, agarrando quase que inconscientemente um isqueiro que estava no meio de alguns potes de tinta. - Ela só fez na cama porque estava no quarto dela. Como a gente não está no nosso quarto, é melhor fazermos por aqui mesmo.

- Mas e se a gente fosse para o meu quarto? Preferia que fizéssemos no quarto, pois para a mulher funcionou muito bem lá...

- Está bem, vamos para o quarto.

De mãos dadas, as duas crianças subiram com dificuldade a escada até que adentraram o quarto da menina. A cor predominante por ali era o rosa.

- Sente-se. - Disse a menina se sentando na cama. Sem hesitar, o menino se sentou.

- E como começamos? - A menina perguntou animada.

- Temos que fechar as portas e janelas para que ninguém veja.

- Está certo!

As crianças se levantaram e trancaram porta e janelas. E fecharam as cortinas, também, afinal, ninguém poderia ver o que fariam.

- Acha que já podemos começar? - A menina perguntou ansiosa.

- Sim, já podemos.

- Você me dá um beijo?

- Claro.

Com inocência, as crianças se beijaram. Deram um selinho, embora não soubessem que o beijo tinha esse nome. Depois disso, começaram a fazer o que fariam.

Com o isqueiro em mãos, o menino acendeu uma pequena chama. Os olhos da menina brilharam. Devagar, o menino levou a pequena flama até a borda do lençol e ficou ali durante alguns segundos. O lençol não queria se incendiar como no filme. A menina ficou irritada e insistiu para que ele continuasse, e ele continuou. Depois de um tempo, uma chama tomou conta da barra do lençol. E essa chama foi se tornando cada vez maior, tomando conta de boa parte da cama.

- Sim, sim! - Gritou a menina exaltada. - Está igual ao filme! A moça fez desse jeito!

- Não é lindo?

- É muito lindo! Sim, é muito lindo!

Rapidamente, o fogo começou a tomar conta do carpete, espalhando-se com uma facilidade incrível. Os olhos das crianças brilhavam de excitação, a imagem lhes parecia magnífica. De repente, o armário começou a se incendiar e, com ele, o restante de todos os móveis que haviam no quarto.

As crianças pulavam enlouquecidamente.

- Está sendo melhor do que eu pensei! Eu nem acredito que conseguimos!

As paredes começaram a descascar e se tornaram fogo também. Não demorou muito e os pulmões das crianças se encheu de fumaça. Com uma frequência fora do normal, os dois começaram a tossir.

As cortinas se tornaram cortinas de fogo. A fumaça dentro do quarto estava densa. As lâmpadas explodiram com o calor intenso, mergulhando o quarto numa falsa escuridão que era iluminada pelas grandes labaredas que banhavam mais da metade do quarto.

- Acho que já está bom, você não acha? - Perguntou o menino entre um acesso de tosse e outro.

- Sim, e acho que não estou muito bem... - A menina respondeu, os olhos secos por conta do excessivo calor.

- Vamos sair? Depois a gente vem quando o fogo parar.

- Vamos sim.

Indo até a porta, o menino tocou a maçaneta, mas ela estava quente. A menina tentou tocá-la, mas não aguentou o calor. Era impossível sair do quarto.

E lá dentro eles ficaram. Depois de cinco minutos, o quarto foi totalmente incendiado, levando os pequenos corpos infantis para dentro das chamas. No começo, tudo pareceu divertido à elas, mas depois que a dor começou a se acentuar, a diversão acabou. Ninguém na vizinhança ouviu os gritos (ou pelo menos disse não ter ouvido). Quando a mãe chegou, o show já tinha acabado, e ambas as crianças estavam mortas. Os corpinhos totalmente disformes.

E tudo o que elas queriam era reproduzir a cena de um filme que tinham visto na televisão. Sim, aquela cena que a mamãe mais o papai da menina tinha assistido. O fogo parecia tão bonito naquela tela de 50 polegadas...